Será que aquela história de que, à beira da morte, nossa vida passa pelos nossos olhos como um filme, é real ou não passa de lenda, balela, história-pra-boi-dormir? Pensando nisso cheguei à conclusão de que, se fosse mesmo verdade, o meu filme passaria bem rápido, tipo um curta-metragem. Não só devido aos poucos quase dezessete anos vividos por mim, mas pela quantidade ínfima de coisas dignas de serem relembradas na hora da morte, feitas por mim. Realmente não acho que tenha feito alguma coisa memorável, pelo menos até hoje.
Eu tenho planos, sim. E às vezes até me pego pensando no futuro. Trabalho, dinheiro; família, casamento-filhos (?); velhice, rugas. E se nada disso chegar a acontecer? E se eu não conseguir estudar tanto quanto queria, e não me formar pra receber o quanto acho que mereceria? E se não tiver aprendido a amar ainda, e não encontrar ninguém que me suporte, e não suportar ninguém? E se eu não tiver filhos e morrer sozinha, sem deixar ninguém que sinta minha falta? E se tiver filhos que não sentirão minha falta quando eu morrer? E se eles morrerem antes de mim?
É lugar-comum dizer que o futuro a deus pertence. Mesmo que você seja tão cético quanto uma porta, provavelmente já tenha dito isso num lapso de memória. O caso é que todos nós sabemos que o futuro é uma eterna dúvida, pelo menos até que ele chegue. Se você pensar que ele nunca chega - afinal, nós vivemos o presente - então sua vida tende a perder parte do sentido (se é que ela tem um). A minha não tem, então eu poderia me considerar privilegiada por não estar perdendo nada. Mas o medo de perder o que se tem ainda é melhor do que o de nunca encontrar nada pra ter. Confesso que o meu se encaixa no segundo tipo.
E esse medo dói, aflige, angustia. Esse medo corrói sua esperança e transforma o futuro - tão esperado e preparado pelo seu vizinho - numa esquina escura, perigosa, mas que você já conhece. É a esquina da sua casa, da sua vida, por onde você passa todos os dias, ao menos duas vezes. E onde espera que o futuro seja um presente um pouco mais certo, menos incerto, mais seguro, menos inseguro. Onde você espera que, num presente em que o futuro seja apenas a morte, não o adiamento dela, você possa colocar sua cadeira na varanda e ver o futuro chegar para o seu vizinho.
Escrito em 24 de abril de 2005. É como olhar uma fotografia antiga, as roupas estranhas - no caso, idéias estranhas. O antigo, tão antiquado. Uma versão de si mesmo, fora de moda.