quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Na marca dos quatorze, talvez dos quinze, dava para adivinhá-lo vestido e alimentado por seus pais mas sem um centavo no bolso, tendo que deliberar com os colegas antes de decidir entre um café, um conhaque, um maço de cigarros. Andaria pelas ruas pensando nas companheiras de estudo, no bom que seria ir ao cinema e ver o último filme, ou comprar romances ou gravatas ou garrafas de licor com rótulos verdes e brancos. Em sua casa (sua casa seria respeitável, seria almoço ao meio-dia e paisagens românticas nas paredes, com um vestíbulo escuro e um porta-guarda-chuvas de carvalho ao lado da porta), choveria devagar o tempo de estudar, de ser a esperança de mamãe, de parecer com papai, de escrever para a tia de Avignon. Por isso tanta rua, o rio todo para ele (mas sem um centavo) e a cidade misteriosa dos quinze anos, com suas marcas nas portas, seus gatos estremecedores, o saco de batata frita de trinta francos, a revista pornográfica dobrada em quatro, a solidão como um vazio no bolso, os encontros felizes, o fervor por tanta coisa incompreendida mas iluminada por um amor total, pela disponibilidade parecida com o vento e as ruas."

"As babas do diabo". In: As armas secretas. Julio Cortázar.