Querida Lyginha,
Perdoe tamanha intimidade, é que, embora você não saiba, teríamos sido grandes amigas, não fossem algumas circunstâncias temporais e espaciais.
Provavelmente, nos conheceríamos na faculdade, ainda calouras de nosso amado e odiado curso de direito - não obstante você estivesse em seu pomposo Largo São Francisco e eu em minha humilde UEM. Nos reuniríamos para estudar Direito Civil no pensionato de Lorena Vaz Leme, que nos serviria deliciosos chá e biscoitos, e onde ouviríamos Jimmy Hendrix (tenho certeza de que assim você não teria reprovado em Civil).
Além disso, nutriríamos a mesma paixão por animais, ainda que você preferisse gatos e eu, cachorros. Frequentaríamos juntas grupos literários e discutiríamos Simone de Beauvoir no auge de nossa fase feminista (riot grrrls). Teríamos uma a outra, mesmo quando, como os pequenos crustáceos do fundo do mar, estivéssemos espiando o mundo por uma fresta. Lyginha, querida amiga, nos entenderíamos apenas num olhar, e nada mais precisaria ser dito.
Talvez por isso o destino nos tenha colocado em tempos e espaços distintos. Só assim eu não seria a única a ouvir suas histórias, confissões e reflexões, as quais você escreveria, e mais tarde, publicaria. O que, de fato, fez. Não pôde o destino, contudo, impedir que eu descobrisse a verdade: que teríamos, sim, sido grandes amigas.
Com carinho,
R. N.