Que pena.
Podíamos ter um ao outro para dividir o jornal e as manhãs.
Podíamos ficar observando a cortina voejar janela adentro
e os nossos papéis espalhados
sobre os lençóis
espelhos
aquários.
Podíamos ficar despenteados aos domingos.
Podíamos nunca mais nos pentear
nem ficar sozinhos
ou vestir roupas.
Podíamos ter uma luneta
uma árvore torta na calçada
uma escadaria em forma de caracol
um sótão, uma lareira
ou nada disso.
Podíamos viver a história secreta que sempre quisemos compartilhar.
E quem sabe até ganhar na loteria
sonegar impostos
acreditar em horóscopos
ou em futuro
andar no arame
colecionar moedas.
Viagens. Fotografias. Souvenirs.
Filhos lindos, estabanados, falastrões e geniais.
Sobrinhos. Netos. Natais. Cometas Halley.
Podíamos ter tudo, e tanto.
Mas você não gosta de mim.
Tudo bem.
E é uma pena.
Ela assinava singelamente como pri e escrevia num já falecido zine de/para meninas.